domingo, 28 de novembro de 2010

A primeira caminhada

A primeira caminhada

A preparação é uma das melhores fases da caminhada. Não tem como impedir que a ansiedade tome conta. Parece que o tal do caminho me deixou encantado. Só penso nisso. Com que roupa eu vou? E o calçado? Será que estou preparado? Enfim são tantas as perguntas que acabo em parafuso. Isso é uma loucura. Afinal de contas, vou ou não vou. Vou! Vou pesquisar na internet. Vou procurar o namorado da minha prima que é chegado ao assunto. Vou ler o Paulo Coelho...

Finalmente, chega o "dia D". Mala pronta, digo, mochila pronta, passagem comprada, despedidas, caminhada.

A chegada ao ponto de partida desperta sensações inquietantes. Não é um vôo de asa delta ou um salto de bang jump, nem por isso a adrenalina deixa de chegar a mil, pode chegar a mil e duzentos. Intuitivamente sei que a viagem não vai acontecer só pelos cartões postais, vai além. Ha um encontro marcado comigo mesmo.

No final do primeiro dia, é o caos. Cansaço, arranhões, poeira, bolhas e feridas nos pés; fome... muita fome e o suor grudado no ultimo fio de paciência só me fazem dizer uma coisa:

- Eu desisto! Definitivamente, eu desisto! Amanhã irei embora. Isto é programa de índio.

Depois de um bom banho, cremes e compressas, pratos de comida ingeridos com avidez, mal tenho tempo de fazer as orações. A cama me ama e me chama e é com ela que eu vou... A noite é de sonhos, às vezes até pesadelos e o cansaço vai cedendo lugar a uma força natural e gratificante. O cheiro do café e a algazarra de pássaros e gente me trazem de volta à realidade. Olho o relógio sem muita atenção, como se já fosse um objeto estranho, fora do contexto. O que me incomoda são as horas. Cinco e alguma coisa. Isso lá são horas de alguém civilizado acordar. Deixa pra lá, acho que o bicho do caminho me mordeu à noite.

O pé está melhor, um pouco de pomada e uns metros de esparadrapos me tornam um frankstein andarilho (não vamos exagerar, se não assusta os calouros).

"Derepentemente" percebo uma coisa muito importante... que a vontade de abandonar o espetáculo, foi embora. Eu fiquei. Decido então enfrentar mais um dia. "Nada como um dia após o outro".

Trombetas e clarins soam pela minha decisão e um sol sorridente me dá um caloroso Bom Dia. Como é bom receber um Bom Dia já bem cedo. Daí pra frente passo a distribuir bons dias a todos. Aos pássaros, aos bichos, as pessoas e até aos ETmiantes (mistura de ET com caminhantes). Segundo o pessoal daqui: "Essa gente estranha, né? Pegam um bornal, uma garrafa d'água, um porrete e saem por ai andando que nem doido. Dizem que só vão pará num tal de Pico da Bandeira - lá pras bandas da Serra do Caparaó, uma lonjura só, né? Será que essa gente num tem coisa mió pra si fazer?"

Tornamos peregrinos mesmo, é apartir do 3º ou 4º dia, dependendo do grau de descontração e alinhamento. O cheiro da terra, do mato, dos animais e da chuva se misturam ao nosso, impregnam de tal maneira tornando parte. Aí, não somos nem nos sentimos estranhos à natureza. A identidade secreta começa a ser eliminada. Uma figura pouco conhecida vai tomando o lugar daquele ser robótico e desamparado. Assusta um pouco. A falta das bengalas, desequilibram. Começo a perceber que algo está mudando. Começo achar que é possível conversar com Deus.

Um misto de euforia e encantamento começam a ditar os meus passos. As horas não são mais contadas pelo relógio. As dores não incomodam tanto quanto aquelas que tinha ao chegar. Dor existencial, dor de cotovelo, dor de...

Abraços e muita paz em nosso caminho.

Paulo Basstos
http://paulobasstos.blogspot.com
22 3842 1718 e 9225 6352



Venha conhecer as montanhas sagradas e os vales encantados do Portal do Caminho.
II Coletiva do Espírito Santo - de 18 a 26 de dezembro de 2010

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